quinta-feira, 30 de março de 2017

POEMA DO DESABAFO



Dedico este poema a todos que, como Vinícius de Moraes,
considerem o uísque o melhor amigo do homem.


Quando nasci em Carpina, em 1962,
para uma vida de merda,[1]
não havia nenhum anjo safado de plantão,[2]
um bêbado, um louco e um poeta[3] então me disseram:
vai, Itárcio, se fode na vida.[4]

Com um ano de idade, a pólio me abraçou
como uma camisa de força a um louco
e me deixou sequelas no corpo e na alma.

Aos dez anos me descobri poeta,
mas não contei para ninguém,
até hoje poucos me sabem poeta
(ou poucos me leem?).

Cresci, amei, casei, tive filhos,
amei e casei, amei e casei novamente,
depois amei, amei, amei, amo
e continuarei a amar,
até o dia em que o deus de Mário Quintana
canse da minha cara.

Escrevi poemas[5], escrevi contos[6],
toquei contrabaixo com meu primo Ítalo,
que me apresentou à MPB:
Chico, Caetano, Belchior, Ednardo.

Mesmo aleijado, cursei a faculdade,
abandonei outros dois cursos com os quais não me identifiquei,
abandonei também algumas pessoas
outras me abandonaram, e mais outras, e mais outras.

Tive a minha primeira crise de depressão aos 23 anos de idade,
e ela nunca mais me abandonou.

Para sobreviver, fiz vários concursos públicos,
passei em vários, trabalhei em cinco,
dos quais um de nível superior.
Em outro de nível superior, fui chamado, mas não quis,
Em outro, fui preterido:
Meu mandado de segurança durou doze anos para ser julgado,
parece-me que a justiça é lenta
(Ou será impressão? Serão meus óculos vencidos?)

Cursei uma pós-graduação,
passei numa seleção de mestrado,
o qual não concluí por falta de saco.

No meu emprego atual, várias vezes fui premiado
(em quatro edições, três prêmios)
por minha dedicação, qualidade dos meus trabalhos,
produtividade etc.

Afinal, é de lá que ganho para o gim das crianças[7].

Publiquei dois livros de poesias,
(Se Não Canto Pelo Menos Grito, 1983
e Apocalipse e Outros Poemas, 1989)
publiquei um livro de contos
(A Construção e Outros Contos, 1991).

Estudei um pouco de canto e gravei um CD
(Maracatu Pra Ela, 2003)[8].

Afora o que se refere à arte e ao amor,
todo o resto que falei  em cima,
para mim, é merda,
só valendo como moeda nesta sociedade capitalista
em que somos obrigados a cumprir pena.

Mas, como no poema de Drummond,
sempre nos etiquetam um rótulo:
ladrão, bicha, maconheiro[9], comunista, cachaceiro,
menino do prozac, ateu.

Enquanto isso, os políticos de plantão negociam nosso país.

E, como na música do Rei:
“E que tudo mais vá tomar no cu”[10].


[1] Obrigado, Ferreira Gullar.
[2] Obrigado, Chico Buarque.
[3] Obrigado, Sebastião Vila Nova.
[4] Obrigado, Drummond.
[5] Obrigado, Bandeira.
[6] Obrigado, Machado de Assis.
[7] Obrigado, Belchior.
[8] Obrigado, Adriel, Chico, Muriçoca, Climério e Ledjane Sara.
[9] Obrigado, Cazuza.
[10] Obrigado, Jean Genet.

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